Desassociação é Discriminação?
Desassociação é Discriminação?

Os depoimentos na mídia do Sebastião Ramos sobre a desassociação não se harmonizam com a verdade. Embora conhecendo essa lei bíblica, por ter sido uma Testemunha de Jeová por mais de dez anos, ocupando uma posição que detém conhecimentos avançados dos ensinamentos e doutrinas das Testemunhas de Jeová, Sebastião Ramos mente descaradamente ao público das mídias. Sebastião tenta levar a regra bíblica da desassociação ao patamar da "discriminação", alegando ser discriminado por essa regra. A seguir, mostrarei detalhadamente como é imposta essa regra, e como as Testemunhas de Jeová reagem com os desassociados:


Uma pessoa não se torna Testemunha de Jeová da noite para o dia. No geral, o indivíduo precisa envolver-se num estudo da Bíblia que talvez venha a durar meses e, em alguns casos, até mesmo anos. Nesse estudo, a pessoa é exposta ao entendimento que as Testemunhas têm das Escrituras Sagradas e, para dar o passo do batismo, depois do qual será formalmente declarada uma Testemunha, precisa convencer-se de sua veracidade e aceitá-lo voluntariamente. Não existem técnicas secretas de convencimento; antes, as Testemunhas de Jeová estudam maneiras de esclarecer cada vez melhor suas crenças aos outros e esses métodos de persuasão são costumeiramente ensinados em suas reuniões semanais que, por sinal, são abertas ao público.

Pouco antes da ocasião do batismo, os anciãos – homens que supervisionam as atividades de evangelização do grupo local de Testemunhas – recapitulam com o batizando dezenas de perguntas para se certificarem de que a pessoa entenda exatamente a escolha que está fazendo. Caso ela demonstre um grau considerável de incerteza ou dúvida, ou caso ainda não tenha harmonizado sua vida com os princípios morais extraídos do estudo bíblico, será ajudada por mais algum tempo, se desejar, até que se sinta completamente convencida daquilo que deseja fazer. Espera-se que a prospectiva Testemunha aceite cada uma das doutrinas do grupo, não por força de apelo emocional e/ou psicológico, mas, como já dito, por convicção pessoal de sua veracidade baseada exclusivamente no estudo que fez de forma voluntária e no que viu e vivenciou em sua associação recente com o grupo. Em qualquer momento do estudo bíblico a pessoa pode escolher parar de estudar e desistir de sua associação com as Testemunhas, sem nenhum prejuízo ao convívio social e religioso com as mesmas. Em todo este processo, o pensamento individual e a liberdade de escolha da pessoa são profundamente respeitados. Dificilmente ela poderá dizer que foi enganada quanto às crenças que aceitou ou que se escondeu dela fatos relevantes para uma melhor decisão. E isso é assim no que tange à doutrina da excomunhão.

No livro “ORGANIZADOS PARA FAZER A VONTADE DE JEOVÁ”, na página 202, encontram-se algumas das perguntas que se fazem aos candidatos ao batismo entre as Testemunhas. Uma delas é a seguinte: “Que ação a congregação toma quando uma pessoa em seu meio mostra ser um violador impenitente das leis de Deus?” Espera-se, portanto, que o batizando entenda as razões Bíblicas aceitas pelas testemunhas para sua prática de excomunhão e que as aceite como dele também. Aliás, o livro citado acima, em seu capítulo quatorze, trata em detalhes a questão da excomunhão e de outros procedimentos disciplinares que poderão ser adotados pela congregação; vê-se, assim, que o batizando teve ampla oportunidade de estudar o assunto e de decidir por si mesmo sua validade. É provável que também tenha tido contato com esta doutrina em várias das reuniões das Testemunhas e ao ler outras publicações delas, tais como o livro “MANTENHA-SE NO AMOR DE DEUS” que em seu capítulo três e em seu apêndice, nas páginas 207 a 209, trata da doutrina supracitada, mostrando com clareza como se deve aplicá-la e as razões para se fazer isso.

A maioria daqueles que hoje acusam as Testemunhas de Jeová de intolerância religiosa e discriminação já defenderam a mesma doutrina contra a qual atualmente lutam. As Testemunhas de Jeová, por sua vez, aceitam sua discordância e esperam que a decisão religiosa e conscienciosa delas de manterem em voga seu entendimento bíblico sobre a excomunhão também seja aceito e respeitado.

Porém, é o tratamento dispensado aos excomungados intolerante e discriminatório?

Quando aqueles que foram excomungados das Testemunhas de Jeová afirmam que essa ação lhes causa dor e que de diversas formas prejudicou suas amizades e, em alguns casos, até mesmo o convívio familiar, estão dizendo a verdade, embora, muitas vezes, numa angulação de clara hostilidade. A excomunhão faz cessar todo o convívio social e religioso com as Testemunhas, algumas das quais talvez tenham vindo a ser grandes amigos e, em alguns casos, talvez sejam até parentes do excomungado. A quebra repentina desses laços de amizade e aprovação mútua causada pelo ato da excomunhão tem o potencial de lançar a pessoa numa mistura de sentimentos e emoções complexas que podem incluir tristeza, remorso, amargura, raiva, arrependimento e algumas vezes, revolta. É possível que isso nos faça lembrar as palavras do apóstolo Paulo: “Na verdade, nenhuma correção parece no momento ser motivo de gozo, mas de tristeza.” Assim como a Bíblia, as próprias Testemunhas de Jeová reconhecem que a disciplina pode ser dolorosa. A revista A SENTINELA, 15 de abril de 1988, que considera assuntos relacionados à disciplina dada pela congregação das Testemunhas, reconhece na página 26 que o excomungado é alguém “fortemente punido”.

Mas, antes de continuar analisando esse tema, é importante que saibamos que apenas aqueles considerados violadores impenitentes das leis de Deus são excomungados da congregação das Testemunhas de Jeová. O cerne desse assunto reside no fato de que as Testemunhas de Jeová acreditam firmemente que, em sua forma coletiva, são as pessoas que representam a Deus na terra. Naturalmente, aqueles que são excomungados, no passado também chegaram a essa conclusão, aceitando-a como verdade e manifestando seu desejo de fazer parte da fraternidade das Testemunhas de Jeová. Sua fé nasceu como conseqüência de uma decisão interna, pessoal e livre. Enquanto estudantes da Bíblia vieram a reconhecer o direito da congregação de disciplinar os transgressores impenitentes. Convenceram-se de que a proteção espiritual e o cuidado paternal de Deus são coisas que estão estreitamente vinculadas à associação com seu povo na terra, neste caso, as Testemunhas de Jeová. Não se pretende aqui discutir a veracidade e o apoio bíblico para a crença de que as Testemunhas representam a Deus; ou que suas congregações possuem o direito de disciplinar os transgressores impenitentes; ou ainda que a proteção espiritual de Deus esteja necessariamente ligada à associação com determinado grupo religioso. Mas é preciso deixar claro que os que são excomungados são pessoas que chegaram a aceitar como verdadeiras todas essas idéias. A análise que fizeram da Bíblia durante os vários meses que antecederam ao batismo os convenceu de que poderiam confiar suas vidas espirituais nas mãos da congregação das Testemunhas. Submeteram-se voluntariamente ao ensino delas. Isso quer dizer que chegaram a aprovar a interpretação da Bíblia feita pelas Testemunhas. Essa interpretação inclui o assunto da excomunhão.

É claro que as pessoas podem, por diversas razões, mudar de idéia. Podem decidir parar de defender os valores morais da congregação das Testemunhas de Jeová e, assim, envolverem-se em práticas que antes, enquanto Testemunhas, consideravam imorais e ofensivas a Deus. Podem mudar de idéia quanto à veracidade das doutrinas das Testemunhas e, dessa forma, passar a acreditar em doutrinas diferentes e talvez a ensinar doutrinas diferentes. Podem até mesmo começar a expor o que vieram a entender como erros das Testemunhas. Podem decidir associar-se a outro grupo religioso. No entanto, o que não podem por direito é obrigar as Testemunhas a mudarem suas doutrinas; nem mesmo aquela relacionada com a excomunhão.

“Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público e em particular.”

Também, por volta do ano 212 D.C, o famoso teólogo Tertuliano escreveu:

“É um direito humano fundamental, um privilégio natural, que todo homem adore segundo as suas próprias convicções.”

Quão verdadeiras são essas palavras! É, portanto, direito das Testemunhas crerem na doutrina da excomunhão. Elas têm o direito de observar essa doutrina, de pô-la em prática segundo a interpretação que fazem da Bíblia. É o seu ‘direito humano fundamental’, seu ‘privilégio natural’. Aliás, a base da revolução protestante foi exatamente esse compromisso com a própria consciência “cativa da palavra de Deus”, como afirmava Lutero.

Se tentarmos impedir um grupo religioso de praticar suas crenças, quando essas não interferem na ordem pública nem atentam contra as leis, apenas com base no desagrado que essas doutrinas talvez nos causem, estaríamos sendo intolerantes no sentido ruim do termo.

“Sentido ruim”? E existe um sentido bom, positivo, no termo intolerância? Sim, existe. A intolerância só é negativa quando ela se baseia numa motivação má ou no simples desrespeito para com as diferenças. Ela pode ser aceitável, no entanto, quando se baseia no direito da pessoa de não aceitar, ou não tolerar o que considera ruim ou perigoso para si. Um pai ou uma mãe podem, por exemplo, escolher não tolerar certos tipos de comportamento dentro de seus lares e podem, com base nessa intolerância, disciplinar apropriadamente seus filhos que transgridem as normas do lar estabelecidas por eles. Escolas podem corretamente estabelecer regras de comportamento que devem ser observadas pelos que nela estudam; e também podem com base na intolerância à quebra dessas regras, expulsarem os alunos infratores. E na maioria das sociedades, o roubo, o estupro, o assassinato e o seqüestro são intoleráveis. Essa intolerância é boa porque sua existência, na forma da Lei, é necessária para o alcance de um bem maior. Neste ângulo, considere a seguinte questão: manifestam as Testemunhas de Jeová intolerância quando excomungam membros que passam a discordar de suas doutrinas ou que aderem a um modo de vida que consideram pecaminoso?

A resposta básica é sim. O dicionário Michaelis, entre as definições que apresenta para o verbo transitivo direto “tolerar”, inclui esta: “Admitir, dar tácito consentimento a.” As Testemunhas de Jeová acham-se no direito de não “admitir” ou “dar tácito consentimento” a que os indivíduos em seu meio violem de forma impenitente as leis que o grupo considera ser de Deus. Elas apontam para a Bíblia ao explicar o tratamento dispensado aos excomungados como meio de tornar evidente a estes sua negativa em admitir ou consentir nas práticas que consideram pecaminosas aos olhos de Deus. Entre estas práticas inaceitáveis está o que elas definem como “apostasia”, um desvio das doutrinas que elas consideram como parte do conjunto de ensinos da Bíblia, ainda que seja um daqueles ensinos singulares da interpretação das Testemunhas, mas que anteriormente foram aceitos de forma voluntária como verdades pelos que são excomungados. Na visão das Testemunhas de Jeová, entregar-se a um proceder de vida que viole os padrões de moralidade que consideram bíblicos, ou comportar-se violenta ou desonestamente, segundo os princípios que acreditam ser de Deus, ou ainda abandonar as doutrinas que consideram ser verdadeiras do ponto de vista bíblico, significa realmente apartar-se de Deus e colocar-se em terreno espiritualmente perigoso onde a esperança de receber a salvação e a vida eterna talvez não possa ser mantida. Quando nos colocamos no lugar delas, entendemos melhor a motivação primária que as induz a apelar para o ato da excomunhão como último recurso para ajudar o violador impenitente das leis de Deus a cair em si em relação ao seu proceder. Portanto, esta intolerância ao que consideram ser errado pode ser descrita como positiva, boa, para o bem do indivíduo expulso, e para se alcançar os objetivos do grupo, entre os quais está a aprovação Divina.

Neste ponto, faz-se necessário que compreendamos que apenas erros graves tornam os violadores passíveis de excomunhão e que não se espera perfeição de conduta dos que se tornam parte da fraternidade das Testemunhas de Jeová. O livro já citado, “ORGANIZADOS PARA FAZER A VONTADE DE JEOVÁ”, no capítulo quatorze, página 145, aborda o seguinte tópico: “Como resolver pequenos desentendimentos”. Ali se explica que:

“Controvérsias ou problemas de natureza não muito séria entre os membros da congregação... devem ser resolvidas prontamente, num espírito de amor fraternal.”

Em seguida o livro considera o princípio da Regra de Ouro como algo prático na resolução de problemas de relacionamento e mal entendidos. (Mateus 7:12.) Na página 147 o livro analisa o seguinte tópico: “Como resolver certos erros graves”. Mostra-se ali que, assim como as leis mosaicas atribuíam graus de seriedade a pecados e transgressões, no arranjo cristão para adoração ocorre o mesmo. (Levítico 19:17; Salmo 141:15; 1João 5:16,17) Se a pessoa se sentir prejudicada por algo que outra Testemunha disse ou fez, ela deve tentar resolver prontamente o assunto entre ela e o suposto ofensor no espírito das palavras de Jesus encontradas em Mateus 18:23-35. Assuntos de natureza menor não precisam necessariamente ser trazidos a atenção dos anciãos da congregação e podem ser prontamente resolvidos entre os envolvidos.

No entanto, que dizer dos erros graves? Na página 151 do livro já citado, inicia-se uma análise do seguinte tópico: “Como cuidar de transgressões graves”. Ali, mostra-se que, quando alguém é culpado, por evidência ou confissão, de cometer erros graves tais como fornicação, adultério, homossexualismo, blasfêmia, apostasia, idolatria e pecados crassos similares, “os anciãos se esforçam em usar habilmente a Palavra de Deus para repreender os que erraram, e tentam restabelecê-los.” (1 Coríntios 6:9,10; Gálatas 5:19-21; Judas 21-23; 2Timóteo 4:1,2) Esclarece-se também que nestes casos “o empenho principal dos [anciãos] é restabelecer o transgressor.” Na página 153 o livro explica que a decisão de excomungar alguém só deve ocorrer quando “o transgressor talvez se torne endurecido no pecado e não corresponda aos esforços de ajudá-lo.” Deixa-se claro que apenas em casos em que a falta de arrependimento do transgressor se torna evidente é que talvez se possa cogitar a possibilidade de aplicar a excomunhão.

Por exemplo: alguém que estudou a Bíblia com as Testemunhas de Jeová, talvez tenha chegado à conclusão de que o Deus Todo-Poderoso e Jesus não são a mesma pessoa. Talvez ela tenha vindo a discordar da doutrina da Trindade. Durante anos ela possivelmente ensinou a outras pessoas que a Trindade não é uma doutrina Bíblica. Daí, digamos que ela mude de idéia sobre esse assunto e comece a ensinar que a Trindade é uma doutrina apoiada pela Bíblia. Isso seria naturalmente encarado pelas demais Testemunhas como apostasia, um desvio das verdades que elas consideram bíblicas. Depois de recorrentes tentativas de ajudar essa pessoa a se convencer novamente a respeito da questão em pauta, os anciãos talvez se convençam, por sua vez, de que o desvio doutrinal da pessoa é permanente e que ela está decidida a continuar defendendo um conceito sobre Deus que a congregação considera falso. Eles talvez fiquem sabendo que aquela pessoa está tentando convencer outras Testemunhas a respeito de suas novas idéias. Daí é possível que se lembrem do que diz Lucas 11:17 ou 1Coríntios 1:10, ou ainda 1Coríntios 3:3, e talvez venham a encarar a pessoa como ameaça perigosa à unidade do rebanho. Neste caso, talvez optem pela excomunhão. (Tito 3:10, 11) Mais tarde, caso a pessoa excomungada volte a professar as mesmas doutrinas que as Testemunhas consideram verdadeiras, e caso solicite uma readmissão à congregação das Testemunhas, isso será levado em consideração.

Outro exemplo: digamos que uma esposa descubra que seu marido vem cometendo adultério e relate isso aos anciãos da congregação. Ela talvez opte pelo divórcio ou pelo perdão. Naturalmente, tal erro crasso será encarado não apenas como ofensivo à esposa traída, mas também ofensivo a Deus, patrono do arranjo do matrimônio. Digamos que o transgressor decide abandonar sua esposa e passa a viver em adultério com outra mulher. A evidência de falta de arrependimento, mais o agravante da falta de respeito para com sua esposa, para com as leis de Deus, para com o nome de Deus e da congregação talvez sejam suficientes para a aplicação da excomunhão. Mas, digamos que a esposa decide perdoar o marido. Digamos que ele professa grande arrependimento e se compromete a abandonar esse proceder pecaminoso. Neste caso, talvez não haja motivo para uma disciplina tão forte como a excomunhão. Uma repreensão ou aconselhamento posterior talvez seja exatamente o que o transgressor precisa para ser reajustado.

A motivação primária nisso tudo é restabelecer a boa condição do transgressor perante Deus, proteger a congregação contra influência prejudicial e manter o grupo limpo perante Deus. A prática do pecado entre as Testemunhas, de fato, e de direito, não é tolerável. Essa intolerância, no entanto, não pode ser descrita como injusta ou inapropriada, especialmente tendo-se em vista que o excomungado, ao ingressar nas fileiras das Testemunhas, aceitou voluntariamente colocar-se sob os cuidados espirituais daquele grupo religioso, não tendo sido, em momento algum, enganado quanto ao que posteriormente se esperaria dele.

Mas, afinal de contas, qual é o tratamento dispensado a uma pessoa excomungada da congregação das Testemunhas de Jeová? É este tratamento discriminatório? Vejamos.

Neste ponto, é válido, antes de prosseguir, lembrar que não se pretende aqui discutir a existência ou não de apoio da Bíblia para a argumentação das Testemunhas de Jeová que delineia a maneira em que um membro de seu grupo deve tratar um excomungado. Já ficou estabelecido o direito que elas têm de pensar livremente sobre este assunto e de pôr em prática seu entendimento. Mais à frente esse direito será discutido com maior profundidade. É também apropriado neste momento explicar que as Testemunhas de Jeová não se referem aos expulsos de seu meio pelo termo “excomungado”, mas sim pelo termo “desassociado”. Faz diferença, já que se trata basicamente da mesma coisa? Sim, faz. E compreender essa diferença pode nos ajudar a entender se o tratamento dispensado aos excomungados é discriminatório ou não. Observe.

O dicionário Michaelis, já citado, define o termo “excomungado” da seguinte forma:

“Maldito, amaldiçoado (falando de alguém ou de alguma coisa com cólera e desprezo); Indivíduo que é odiado, que procede mal.”

Já a Grande Enciclopédia Larousse Cultural, volume quatro, página 1284, diz sobre o mesmo termo: “Uma das designações do diabo.” Nota-se, assim, que o termo “excomungado” parece carregar consigo um teor fortemente pejorativo, negativo. Será que as Testemunhas de Jeová ensinam seus adeptos a odiarem os que são expulsos de seu meio? A seguinte instrução revela algo sobre isso:

“Os anciãos congregacionais, bem como os membros individuais da congregação... devem precaver-se contra criar uma atitude parecida à que alguns escritores rabínicos, judaicos, fomentaram para com os gentios, ao considerá-los como virtuais inimigos. É correto odiar o mal cometido pelo desassociado, mas não é correto odiar a pessoa, nem é correto tratar a tais de modo desumano.”

Vê-se claramente que o contrário é que é verdadeiro. Os adeptos das Testemunhas de Jeová não são ensinados a odiar os expulsos de seu meio. Ora, como poderia o ódio estar envolvido quando a razão primária para se apelar para a expulsão do transgressor foi o amor por ele e o desejo de preservá-lo são à vista de Deus? Dessa forma, as Testemunhas não costumam se referir aos expulsos de seu meio como “excomungados”. Elas preferem o termo “desassociado”. O Desassociado das Testemunhas não se torna objeto de ódio, salvo se for vítima de uma atitude impensada, individual, de uma Testemunha. Ele apenas deixa de fazer parte do rol de membros espiritualmente aprovados da congregação e, com isso, perde os privilégios espirituais usufruídos pelo grupo.

Mas, não é o tratamento em si dispensado aos expulsos característico de ódio e discriminação? Analise.

As Testemunhas de Jeová não tem tratos com desassociados. Em circunstâncias normais, elas preferem não dirigir a palavra a eles. Um simples ‘oi’ se torna dispensável. Quando o desassociado é parente próximo, talvez um cônjuge, os laços familiares não são desfeitos, obviamente. Neste caso, com algum diferencial, a comunicação é mantida, mas o desassociado deve perceber que o seu parente Testemunha não aprova a conduta pelo qual ele foi expulso. Uma orientação oficial do grupo com respeito à maneira de tratar parentes expulsos é a seguinte:

“Visto que as relações consangüíneas e maritais não são dissolvidas pela desassociação congregacional, a situação dentro do círculo familiar exige consideração especial. A mulher cujo marido foi desassociado não está livre do requisito bíblico de respeitar a chefia marital dele sobre ela; apenas a morte ou o divórcio bíblico, separando-se do marido, resulta em tal livramento. (Rom. 7:1-3; Mar. 10:11, 12) Tampouco o marido fica desobrigado de amar sua esposa como “uma só carne” com ele, embora ela possa ter sido desassociada. (Mat. 19:5, 6; Efé. 5:28-31) De modo similar, os pais continuam sob a injunção de ‘prosseguir criando os filhos na disciplina e na regulação mental de Jeová’, embora o filho ou a filha batizados, ainda menores, tenham sido desassociados. (Efé. 6:4, ed. ingl. 1971) E os filhos e as filhas, de qualquer idade, continuam sob a obrigação de ‘honrar pai e mãe’, embora um ou ambos possam ter sido desassociados. (Mat. 15:4; Efé. 6:2)”.

O desassociado, em todo caso, deve sentir os efeitos de suas transgressões na rejeição das Testemunhas. Essa rejeição, além de ser uma evidente reprovação dos pecados cometidos pelo expulso, é também uma expressão do desejo das Testemunhas de que o faltoso se arrependa e se sinta compungido no coração por causa do seu proceder e, como conseqüência, retorne ao rebanho. Os sentimentos de amor e preocupação pelo expulso não são desfeitos. Ao contrário, são eles que motivam esta última medida para ajudar o errante a cair em si e voltar a usufruir uma condição aceitável perante Deus. É isso discriminatório?

Considere o seguinte: discriminar é separar, segregar, tratar de modo diferente. A discriminação é, no geral, ruim para a pessoa discriminada. Ela é especialmente assim quando se origina do desrespeito por fatores naturalmente imutáveis, tais como sexo, raça e cor. Também pode ser baseada na diferença sócio-econômica da pessoa ou mesmo em suas origens geográficas e culturais. Quando o tratamento diferencial, discriminatório, é dado com base nessas coisas ele é injusto, pois, independente das mesmas, a seguinte declaração continua verdadeira:

“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.”

Tratarem as Testemunhas de Jeová os desassociados de maneira diferente dos demais, não deve ser considerado como discriminação injusta, nem uma violação dos direitos da pessoa à igualdade e à dignidade; antes, é uma ação que, dentro do universo religioso do grupo, dignifica o violador impenitente das leis de Deus por ser um esforço extremo de recuperá-lo para a esperança de salvação e vida eterna, e não um abandono do mesmo. A rejeição das Testemunhas permanece como uma corda de suporte para o expulso retornar ao que elas consideram o único modo de vida aprovado por Deus. A rejeição das Testemunhas não se origina do desprezo que normalmente caracteriza a discriminação.

Digno de nota é o tipo de tratamento que se espera que os anciãos dêem àquele que é considerado pecador impenitente, principalmente durante as reuniões judiciais em que um colegiado de no mínimo três anciãos avalia a existência ou não de arrependimento e as medidas a serem tomadas para ajudar o errante. Uma orientação oficial para os anciãos das Testemunhas sobre aconselhamento é a seguinte:

“O segredo de um conselho bem dado é mostrar o devido respeito pela outra pessoa e por seu direito de ser tratada de forma digna, indicando preocupação... Os anciãos cristãos devem querer ouvir seu ponto de vista e fazer todo empenho de evitar rebaixar ou desonrar a pessoa que está sendo ajudada. Como ancião, deixe seu irmão saber que você se preocupa com ele e deseja ajudá-lo a resolver seus problemas. É isso o que um bom médico faz quando você vai ao consultório dele para fazer um exame. A idéia de despir-se numa sala fria e estéril talvez o deixe embaraçado e o faça sentir-se humilhado. Quanto você aprecia um médico que mostra consideração para com seu amor-próprio e lhe trata com dignidade, cobrindo-o com um lençol enquanto efetua os exames necessários para determinar a causa de sua doença! De modo similar, o conselheiro cristão que mostra o devido respeito pela pessoa é bondoso e firme, porém cobre o aconselhado com dignidade. Por outro lado, um conselho duro, frio e insensível equivale figurativamente a despir alguém, fazendo-o sentir-se envergonhado, desonrado e privado de sua dignidade. Anciãos, lembrem-se de que conselhos práticos são animadores, edificantes e positivos. Não há necessidade de empregar termos, linguagem ou argumentos duros. Antes, o respeito pela outra pessoa e o desejo de preservar seus sentimentos de dignidade e amor-próprio o induz a apresentar os assuntos de forma positiva e construtiva.”

Outro número de A SENTINELA é mais direto ao mostrar o que se espera dos anciãos nas audiências judicativas:

“É verdade que os anciãos têm de sustentar firmemente as leis e os princípios bíblicos. Mas, biblicamente exige-se que tratem as ovelhas de maneira amorosa, e que conduzam audiências judicativas de modo calmo, ordeiro, bondoso e com consideração.”

Vê-se, assim, que se um ancião for duro e insensível em seus tratos com os transgressores, ele claramente não encontrará apoio na orientação oficial das Testemunhas.

Durante a audiência judicativa a pessoa recebe ampla oportunidade para explicar-se e apresentar evidências de sua inocência, se este for o desejo dela. Quando, no entanto, o transgressor culpado, por confissão ou evidência, se recusa a aceitar que errou ou que não apresenta nenhuma perspectiva de mudança para melhor, i.e., quando ele abraça de vez o proceder pecaminoso, os anciãos talvez resolvam que a excomunhão é a única maneira de fazê-lo cair em si em relação ao seu erro. O errante fica sabendo geralmente na mesma hora sobre a decisão a que chegaram os anciãos. Explica-se que a pessoa tem alguns dias para colocar uma apelação por escrito que será considerada por outro colegiado de anciãos. Caso ela recorra, nenhuma ação é tomada até que se considere novamente a questão. Caso ela não recorra, ou caso o colegiado de apelação chegue à mesma conclusão do colegiado anterior, providencia-se que um breve anuncio sobre a excomunhão seja dado numa das reuniões das Testemunhas. O anuncio é simples, não devendo ser nada mais do que o seguinte: “[Nome da pessoa] não é mais Testemunha de Jeová.” (ORGANIZADOS PARA FAZER A VONTADE DE JEOVÁ, página 154.) A partir desse momento todas as Testemunhas de Jeová cessarão a comunicação e os tratos corriqueiros com o excomungado. Na audiência que o desassociou, porém, os anciãos terão explicado todos os passos a serem dados para um futuro retorno. O excomungado tem liberdade para continuar se beneficiando das reuniões públicas das Testemunhas. Pode também continuar obtendo suas publicações. E, no momento que desejar, poderá recorrer aos anciãos por escrito ou pessoalmente para tratar de sua recuperação espiritual e seu desejo de retornar. No ínterim, o respeito demonstrado pelas partes; a ampla oportunidade de defesa e apelação; o tratamento bondoso por parte dos anciãos e os últimos conselhos sobre um futuro retorno salientam um tratamento honroso, dignificante e longe de ser discriminatório no sentido ruim do termo.

Deve-se levar também em conta que a excomunhão causa considerável tristeza não apenas no que é assim punido, mas, inclusive, naqueles que a impõe, os anciãos, e no resto dos membros da congregação da qual o errante fazia parte. As Testemunhas colocam isso da seguinte forma:

“Poucas coisas podem nos deixar tão tristes quanto ver um parente ou um amigo achegado ser expulso da congregação por ter cometido um pecado e não ter se arrependido.”

De fato, para muitos dos que eram mais próximos do excomungado pode ser um verdadeiro sacrifício ter de se submeter às exigências dessa pena, mas eles assim procedem, não por coerção ou apelo exterior, e sim pela convicção íntima de que estão fazendo o que é correto e amoroso para com o errante aos olhos de Deus. São os sentimentos de amor e compaixão pelo transgressor que os movem a levar a sério o ato da excomunhão. Eles sabem que não há outra forma – segundo seu entendimento – biblicamente aceitável, de ajudar o pecador impenitente a cair em si. Estão dispostos a sofrer com ele as conseqüências dessa penalidade. O sofrimento causado pelo ato da excomunhão é, assim, uma via de mão dupla; e, como uma espada, corta dos dois lados. Certo comentário afirma que, com essa medida, a congregação “quer mostrar a gravidade do pecado” e, depois de afirmar que “a Igreja primitiva praticou a exclusão de alguns culpados”, diz que ela encontra justificativa para essa prática “numa palavra de Jesus exigindo que seja afastado o pecador que não atende a nenhuma das admoestações que lhe foram feitas”, referindo-se, obviamente, à passagem do evangelho de Mateus 18:17, que diz: “... se também não ouvir à igreja, considera-o como gentio e cobrador de impostos.”

Adam Clark, por sua vez, salienta que ‘não se devia ter nenhuma comunhão com o pecador expulso em coisas sagradas ou civis’. Ele acrescenta que ‘podia-se transacionar os interesses mundanos com alguém que não conhece a Deus e que não professa o cristianismo, não importa qual seja seu caráter moral; mas que não se devia nem mesmo neste respeito reconhecer um homem que professasse o cristianismo, mas que fora escandaloso na sua conduta. ’ Diz que o impenitente ‘deveria levar este sinal extra de abominação cristã de todo o pecado. ’

Eusébio de Cesaréia faz referência à prática da primitiva congregação cristã de expulsar os que tentavam infiltrar doutrinas consideradas mortíferas para a fé cristã. Ele declara o que aqueles homens apóstatas causavam e como eram tratados:

“Causam o maior estrago àqueles em quem conseguem inocular o veneno incurável e terrível oculto neles. Mesmo assim, a maioria já foi expulsa à medida que foram surpreendidos nesta perversidade”.

Este, portanto, parece ter sido o tratamento dispensado na Igreja do primeiro século aos excomungados de seu meio e é o tratamento dado hoje aos excomungados das Testemunhas de Jeová.

Após a morte dos apóstolos, pelo visto, a excomunhão continuou a ser praticada, como se pode ver a partir do seguinte comentário:

“A disciplina da igreja consistia no poder de privar homens de todos os benefícios e privilégios do batismo, por expulsá-los da sociedade e da comunhão da igreja. E todos se esquivavam deles e os evitavam na conversação comum, em parte para confirmar as censuras e os procedimentos da igreja contra eles, em parte para envergonhá-los e em parte para se prevenirem contra o perigo do contágio. . . ninguém devia receber os excomungados no seu lar, nem comer à mesma mesa com eles; não se devia conversar com eles de modo familiar, enquanto vivessem: nem se deviam realizar exéquias por eles quando mortos, . . . Essas orientações baseavam-se no modelo daquelas regras dos apóstolos, que problema aos cristãos dar qualquer contemplação a Infratores notórios.”

É a orientação da Igreja primitiva discriminatória, no sentido ruim do termo, conforme o entendemos hoje? Se considerarmos que essa orientação vinha de Jesus e de seus apóstolos, talvez não a encaremos tão criticamente. É exatamente dessa forma que as Testemunhas vêem a doutrina da excomunhão: como procedendo de Jesus e dos apóstolos e, portanto, imutável em sua natureza.

Naturalmente, pode-se dizer que os tempos atuais embutem conceitos de tolerância e um tipo de respeito pelas diferenças que talvez não admitam o conceito de excomunhão da Igreja primitiva praticado hoje pelas Testemunhas. Isso gera um paradoxo, uma vez que o apreço pelo conceito de tolerância moderno é, por sua vez, intolerante com o conceito de intolerância das Testemunhas de Jeová ao que consideram extremamente pecaminoso. Isso por si só demonstra o privilégio natural das Testemunhas de crerem e praticarem o que crêem em relação à excomunhão. Esse direito natural das Testemunhas não deveria, portanto, ser atacado pelos excomungados, como às vezes ocorre.

Para resumir as razões dessa afirmação, conforme se abordou até aqui, enumeramo-las: (1) Os excomungados não foram enganados quanto ao que se esperaria deles no que tange ao comportamento e ao compromisso para com as doutrinas do grupo; (2) tiveram ampla oportunidade de abandonarem a associação com as Testemunhas, mesmo antes de se tornarem oficialmente uma delas por meio do batismo; (3) aceitaram as Testemunhas de Jeová como povo de Deus e apoiaram cada uma de suas interpretações; (4) receberam por ocasião de sua infração pecaminosa, tratamento bondoso e dignificante, bem como ampla oportunidade de defesa e apelação; (5) foram colocados a par dos passos necessários para uma readmissão ao grupo. Isso não deve ser comparado com discriminação preconceituosa.

Neste ponto, é válido levantar uma pergunta importantíssima: a excomunhão praticada pelas Testemunhas de Jeová, com todas as suas peculiaridades, é atentatória à legislação brasileira?

Consideremos alguns pontos pertinentes encontrados na Lei Maior da nação brasileira, a Constituição. Ela contém, entre outras, as seguintes orientações:

É livre a manifestação do pensamento...

É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias.

Ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa...

São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra, e a imagem da pessoa...

Por que estes pontos são importantes no trato deste tema? Por que eles, de várias formas, subsidiam a prática da excomunhão adotada pelas Testemunhas de Jeová. Tome como exemplo a questão da liberdade de manifestar o pensamento. A desassociação e o tratamento dispensado aos desassociados por acaso não é uma forma de expressão de um pensamento, de uma crença? De fato, sim. “O livre exercício dos cultos” é até mesmo “assegurado, na forma da lei”. A desassociação é uma forma de as Testemunhas exercitarem sua crença. As Testemunhas também não podem ser punidas por causa do exercício de sua religião. Se por um lado nenhum desassociado quer – e este é seu direito – que sua honra e imagem sejam manchadas, as Testemunhas de Jeová também não querem, quer coletivamente, quer individualmente, que o exercício de suas crenças seja associado à prática de crueldade e impiedade, preconceito e discriminação, como certas manifestações de ex-membros às vezes fazem parecer. Essas manifestações não revelam o espírito de amor ao que é correto, de zelo pela posição da pessoa perante Deus, evidentes nas ações judiciais promovidas pelas Testemunhas. Advogados, promotores e juízes imparciais e desinteressados reconhecerão logo que a prática da excomunhão, como forma de expressar a crença religiosa da pessoa, é um direito constitucionalmente protegido no Brasil.

Que dizer do Código Penal brasileiro? Encontra-se nele o material necessário para impedir as Testemunhas de praticarem sua crença religiosa? Vejamos.

Devemos reconhecer antes de qualquer outra consideração, que o Código Penal brasileiro não pode invalidar a Constituição, uma vez que é dela que vem sua inspiração. No entanto, ex-associados das Testemunhas de Jeová às vezes invocam certos artigos do Código Penal para acusar as Testemunhas de cometer crime com sua prática de desassociação. Examinemos alguns desses artigos.

Tome como exemplo as instruções do Código Penal relativas aos “Crimes contra a honra”. O artigo 138 condena o seguinte:

“Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime.”

Será que o colegiado de três anciãos das Testemunhas que decide sobre a excomunhão de algum membro daquele grupo comete esse tipo de crime? Não, visto que aquele colegiado imputa ao excomungado, não a prática de crimes definidos nas leis do país, e sim pecados e transgressões contra a lei de Deus, conforme eles a entendem das escrituras. Tudo acontece num contexto puramente religioso. Que dizer, porém, quando o pecado envolve prática de crime definido nas leis do país, tais como roubo, estupro, assassinato e outros? Devemos lembrar que aquele colegiado de anciãos tratará do problema de forma extremamente confidencial, numa reunião judicial que ocorre com a permissão e a colaboração do suposto transgressor. Tudo que se dirá ali não será divulgado às pessoas em geral, protegendo, assim, o direito da pessoa à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem.

Contrário ao que se costuma divulgar pelos opositores das testemunhas, se o transgressor tiver praticado crime definido nas leis do país, ele estará livre para, se quiser, tratar da questão com as autoridades competentes. Ao mesmo tempo, o colegiado de anciãos terá recebido todas as informações do transgressor em caráter de confissão religiosa, o que as coloca num nível de segredo eclesiástico, isentando-os de tomarem a iniciativa de procurar, por sua conta, as autoridades competentes. Isso cabe ao transgressor ou às pessoas por ele prejudicadas. São vários os dispositivos em nossa legislação que dão suporte legal a essa proteção, e podemos citar, entre outros, os seguintes: Constituição Federal, artigo 5.º, incisos VI, X, XIV; Código Civil de 2002, artigo 229, I; Código de Processo Civil, artigos 406, II e 414, § 2.º; Código Penal, artigo 154 e Código de Processo Penal, artigo 207. É verdade que as Testemunhas zelam por sua imagem pública, como qualquer outro grupo religioso, mas não é verdade que este zelo as impele a obstruir a lei por incentivar a não colaboração com as autoridades, como algumas pessoas ressentidas costumam afirmar. Neste respeito, elas têm em mente textos bíblicos tais como 1 Coríntios 6:1-7. Ali se registra o seguinte:

“Se um dentre vós tiver uma disputa com outrem, tem ele coragem de levá-la aos tribunais legais pagãos, ao invés de à comunidade do povo de Deus?. . . Será que não existe um único homem sábio entre vós, capaz de fornecer uma decisão numa causa dum irmão cristão? Precisa um irmão dirigir-se à lei com seu irmão — e perante descrentes? Deveras, já vos rebaixais ao vosso padrão ao dirigir-vos de algum modo à lei junto com outrem. Por que não sofrer antes o dano? Por que não se deixar roubar?”

Obviamente, tal instrução que incentiva a resolução dos problemas internamente é prática e ajuda a desafogar o sistema judicial da sociedade com sua infindável fila de processos. É uma forma de apelar para o bom senso e para a capacidade humana de perdoar. Quando se faz isto, os benefícios se estendem a todos. É claro que, no que diz respeito a pecados gravíssimos, que talvez envolvam uma medida intolerável de violência, o envolvido pode se sentir livre para buscar a ajuda dos tribunais, uma vez que apenas eles talvez sejam capazes de fornecer o reparo e a proteção necessária. As Testemunhas de Jeová não são contrárias a isso, conforme se vê na seguinte declaração:
“A lei e os tribunais certamente fornecem um meio de corrigir muitas injustiças. Juízes sérios e conscienciosos têm demonstrado muita sabedoria e discernimento na solução das disputas legais. Até mesmo a Bíblia reconhece o direito de as nações fazerem leis e as porem em vigor, para o bem do povo: “O bom comportamento não tem receio dos magistrados; apenas os criminosos têm algo a temer . . . O estado existe para servir a Deus em vosso benefício. Se violar a lei, contudo, fará bem em ter medo.” (Rom. 13:3, 4, The Jerusalem Bible.) Assim sendo, os bons cidadãos avaliam bem a contribuição que a lei faz ao bem-estar público. Fazem tudo que podem para auxiliar a polícia, os juízes e outras autoridades conscienciosas a manter a lei e a ordem, destarte contribuindo para uma sociedade ordeira.”
Não é verdade, portanto, que as testemunhas tentam obstruir a lei com seus procedimentos. Simbólico deste comentário é a seguinte afirmação da revista A Sentinela, ao referir-se aos molestadores de crianças:

“Dependendo das leis do país em que ele vive, é bem possível que o molestador sofra pena de prisão ou outras sanções impostas pelo Estado. A congregação não o protegerá disso.”
Após esse comentário, a revista esclarece que o homem de quem se sabe que foi molestador de crianças, não deverá buscar privilégios de supervisão nas congregações das Testemunhas, embora ainda possa beneficiar-se dos cuidados espirituais do grupo.
Ademais, acusar as Testemunhas de caluniar, injuriar, difamar e praticar discriminação e preconceito, não seria por acaso calúnia, injúria, difamação, discriminação e preconceito?
Que dizer do Artigo 140 do Código Penal? Ele condena o “Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro.” Será que o tratamento dispensado aos excomungados atenta contra esse artigo? De fato, não. Veja o motivo.
A injúria e a ofensa à dignidade originam-se de uma disposição perversa de quem injuria ou ofende. Como já esclarecemos, não é esse tipo de disposição perversa que origina a excomunhão e o tratamento dispensado aos expulsos. Antes, a preocupação pelo bem estar espiritual do indivíduo e o apego às normas consideradas de Deus são a razão primária. A desassociação e as conseqüências dela eram também algo conhecido pelo excomungado antes de se tornar Testemunha. Isso quer dizer que ele concordou em ser assim tratado caso viesse a transgredir seriamente as leis de Deus, conforme o entendimento delas por parte das Testemunhas. Também observamos que qualquer tratamento indigno dado ao excomungado não encontra apoio nas orientações oficiais das Testemunhas de Jeová. Obviamente, os excomungados às vezes exageram em suas manifestações dizendo que “perderam a família”, “perderam os amigos”, e estão sendo tratados com desprezo. Isso não é verdade. A família continua lá. Continua amando muito o excomungado. Na verdade, o grande esforço que a família faz para se adequar às normas da excomunhão é, em si mesmo, uma evidência do amor que possuem, uma vez que entendem que este é o único meio de oferecer a melhor ajuda que a pessoa precisa. Dá-se o mesmo a respeito dos amigos. Os excomungados precisam entender que não existem sentimentos de desprezo por parte da fraternidade que se esforça a trazê-los de volta ao seu seio. O clima de suspeita, de dúvida e discriminação é algo que se origina na cabeça do desassociado, normalmente afetado pelas suas novas circunstâncias, mas que não reflete a posição da congregação como um todo, exceto, é claro, se vier a acontecer, de certos indivíduos que ainda não captaram o espírito das normas relativas à excomunhão. Se não fosse assim, não haveria os abraços, os sorrisos, o clima de comemoração por ocasião do retorno do expulso. Os expulsos continuam sendo amados. E no caso em que a pessoa escolheu abandonar o convívio com as Testemunhas, porque brigar por mudanças em sua estrutura doutrinal? Não queria a pessoa afastar-se? Tem liberdade para isso. Se bem que não é o que o grupo deseja.
Lutar na justiça para que uma religião mude suas crenças é algo realmente estranho em nossos tempos.

 Como foi mostrado, os depoimentos do Sebastião Ramos esconde muitas verdades sobre a aplicação da desassociação, e de como os desassociados são tratados pelas Testemunhas de Jeová. As Testemunhas de Jeová não praticam discriminação e nem faz incentivos a isso. Praticam suas liturgias de acordo com os mandamentos divinos, e dentro das leis da Constituição Brasileira, enquadrada na "liberdade de religião". A religião não pode coibir a pessoa de sua liberdade religiosa, e nem a pessoa pode ou o estado pode proibir o livre exercício da liturgia, que são protegidos pela Constituição.